sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Edifícios altos - World Trade Center.

AU 100 inaugura a seção Estruturas, espaço para a análise da estrutura de obras que se destaquem por sua complexidade ou engenhosidade, sob a batuta do Prof. Dr. Geraldo Serra, coordenador científico do Nutau/USP (Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo)
Geraldo Serra

 Two Union Square, em Seattle: tem como principais apoios quatro tubos de aço preenchidos com concreto com módulo de elasticidade de 50 GPa


Desde os eventos de 11 de setembro do ano de 2001, em Nova York, por razões absolutamente lamentáveis e óbvias, os edifícios muito altos (very tall buildings) estão sob questionamento severo. Não cabe discutir aqui (e muito menos tomar partido!) no debate sobre a racionalidade desse tipo de edifício, que se centra sempre na questão das vantagens e desvantagens da concentração supostamente excessiva de área construída, de pessoas e de demanda por serviços públicos em porções relativamente pequenas do território da cidade. Ao que tudo indica, a decisão de construir um edifício de mais de 60 andares tem pouco a ver com razões estritamente econômicas ou empresariais, e muito com as questões simbólicas e do poder. Estas parecem já ter sido as razões da construção das torres de San Giminiano, ainda na Idade Média (a pequena cidade italiana é, inclusive, conhecida como a Manhattan medieval). Portanto, é muito provável que continuemos a construir torres, apesar da tragédia nova-iorquina.

Poucos dias após a destruição do World Trade Center, o jornalista Howard Kurtz, do Washington Post, perguntava: "O ataque da última semana em Nova York fez mais do que derrubar um dos mais altos edifícios da cidade? Alterou o futuro da paisagem urbana em incontáveis outras cidades? Sobreviverá a sua utilidade? Alguém ainda vai querer trabalhar neles? Serão eles, um dia, vistos como relíquias de uma outra era, como os edifícios cheios de decoração Art Déco das décadas de 30 e 40 ou como os malfadados e maciços projetos habitacionais dos anos de 1960?" De outro lado, a BBC News afirmava que "ambos os aviões penetraram no núcleo interno dos edifícios, despejando combustível e fogo no coração das estruturas. Se existisse lá mais concreto resistente ao fogo (sic) e menos aço, muitos outros ocupantes dos edifícios poderiam ter sido evacuados antes de qualquer colapso".

Tony Lang, no The Cincinnati Enquirer, apresenta duas opiniões diferentes sobre o futuro dos arranha-céus. Cesar Pelli diz que "a única maneira de demonstrarmos nossa força seria construir duas torres de tamanho similar". Já Peter Eisenman discorda, dizendo que "reconstruir o WTC como era seria mostrar nostalgia por um mundo que não existe mais".

Sem pretender responder a todas essas questões, vamos considerar a seguir alguns problemas estruturais desses edifícios.

As causas do colapso

Na revista norte-americana Architectural Record de dezembro de 2001, John E. Czarnecki relata o estado do debate sobre o colapso dos edifícios do WTC. São discutidas questões relativas à forma como se deu a ruína e até porque os edifícios não ruíram imediatamente, uma vez que o esforço lateral foi de cerca de 9 mil toneladas, destruindo imediatamente cerca de 35 das 59 colunas externas existentes em cada lado do edifício.

Como já noticiado, as vigas sob os pisos próximos do impacto foram as primeiras a ceder, em conseqüência da ação do calor, em função da perda de rebites e soldas com as colunas exteriores e com o núcleo central do edifício, empilhando os pisos um sobre os outros e determinando o colapso. De fato a resistência do aço reduz-se muito aos 500ºC e em muitos pontos a temperatura da estrutura chegou, em poucos segundos, a mais de 1.000ºC. Evidentemente, a estrutura estava coberta de material protetor, porém o impacto destruiu também essa proteção. O núcleo central do edifício, que arcava com mais de 60% da carga, foi o primeiro a ruir, como se pôde observar nos vídeos. Os especialistas americanos estão considerando que as colunas externas apresentavam maior rigidez, o que fez com que suportassem mais tempo, como se formassem uma viga Vierendeel, mas é necessário considerar que a temperatura no centro do edifício subiu mais e mais rapidamente.

Oscilação excessiva

Robert Mark destaca o problema da oscilação excessiva dos edifícios muito altos em decorrência da ação do vento e relata os graves problemas do John Hancock Tower, que I.M. Pei, certamente um dos mais notáveis arquitetos do século XX, construiu em Boston. Esse edifício, que tem apenas 60 pavimentos, é muito esbelto, lembrando uma grande placa espelhada refletindo todo o seu entorno. Relata Mark que, em 1971, com o edifício ainda no final da obra, os vidros começaram a quebrar em proporção tal que no verão de 1973 "quase um quarto do vidro já tinha sido perdido". A inauguração do edifício teve que ser adiada por mais de três anos para permitir a introdução de correções estruturais que evitassem as torções da estrutura e a excessiva oscilação durante as ventanias. A estrutura metálica do edifício apresenta oscilações que não implicam, em princípio, qualquer ameaça de ruína. Os problemas são de dois tipos: danos em outros componentes da construção, como envidraçamento e mesmo divisões internas e, de outro lado, desconforto dos usuários dos últimos andares, que percebem perfeitamente essas oscilações. Afirma-se que o topo do Empire State chega a balançar cerca de 60 cm, nos ventos mais fortes e, por algum tempo, chegou-se a admitir que esse problema parecia constituir-se em um limite para o crescimento das torres.

Contrabalançando

A solução encontrada para reduzir as oscilações dos edifícios muito altos com estruturas metálicas foi a inserção de uma máquina que introduz uma oscilação inversa àquela provocada pelo vento. Essa máquina precisa apoiar-se em um bloco de concreto com massa muito grande, em posição adequada no edifício, o qual fornecia a inércia necessária. A máquina é comandada por um computador que interpreta informações de sensores e comanda a contra-oscilação de forma a fazer que "cristas" de ondas provocadas oponham-se aos "vales" da oscilação provocada pelo vento, e vice-versa. O edifício Citycorp, em Nova York, é dotado de um equipamento como esse com um contrapeso de cerca de 400 t. Informa-se que o contrapeso do World Trade Center tinha cerca de 600 t.

Essa solução realmente reduz de maneira drástica as oscilações experimentadas pelo edifício submetido a fortes rajadas de vento. Um oscilômetro mostra, em modelo testado em túnel de vento, a oscilação antes e depois de ligado o equipamento. Os óbvios inconvenientes estão ligados à colocação de uma massa tão grande em um andar muito alto, implicando carregamentos significativos sobre a estrutura do edifício.

Reforçando

Pode-se também reforçar a estrutura metálica implicando, entretanto, pesados ônus no orçamento, a ponto de inviabilizar a solução. Por isso, nos reforços, tem sido adotado o concreto de alto desempenho, pelo menos nas colunas do edifício. Pierre-Claude Aïtcin, em seu livro Concreto de Alto Desempenho, Pini, apresenta a evolução da altura dos edifícios com estruturas de concreto desde 1959 até 1989.

Essas estruturas foram executadas com concretos de alto desempenho com resistências próximas dos 100 MPa. A vantagem óbvia é que essas estruturas dispensam o uso de máquinas e contrapesos para redução da sua oscilação, em decorrência do módulo de elasticidade mais elevado do concreto empregado.

Estruturas compósitas

Outra solução é a das estruturas compostas de peças de concreto e peças de aço. Alguns técnicos consideram estas as estruturas do futuro. Um dos primeiros exemplos de edifícios muito altos com estrutura composta é o Two Union Square, em Seattle, que tem como principais apoios quatro grandes tubos de aço preenchidos com concreto com módulo de elasticidade de 50 GPa, que é cerca do dobro daquele do concreto usual. O mais moderno exemplo do emprego de uma estrutura compósita são as Petronas Towers, com 451,9 metros de altura, em Kuala Lampur, na Malásia.

A estrutura das Petronas Towers é formada por uma coroa de 16 colunas externas e um núcleo central onde se situam os elevadores, escadas, sanitários e dutos verticais diversos. A relação entre a área útil e a área total desse esquema é superior a 75%.

Esses elementos verticais foram executados com concreto de alto desempenho, produzido com aditivos superplastificantes para reduzir a relação água/cimento, e adições de sílica ativa e de cinza volante, quer para tornar a microestrutura do concreto mais compacta, quer para reduzir o calor de hidratação e, portanto, a microfissuração. O uso do concreto de alto desempenho nos elementos verticais permitiu reduzir a oscilação da torre, decorrente das rajadas de vento, à metade do que ocorreria se esses elementos fossem de aço. Além disso, vigas de concreto se estendem do núcleo central para a periferia, contribuindo, também, para o contraventamento.

Entretanto, é importante considerar a forma geral do edifício como uma contribuição importante para a redução dos efeitos do vento em pelo menos dois aspectos. O primeiro é a planta, aproximadamente circular, que reduz o "arrasto". O segundo é a diminuição do diâmetro da planta nos andares superiores, o que reduz a área de exposição da parte superior da torre, onde a velocidade do vento é maior.

Sustentabilidade dos edifícios muito altos

A sustentabilidade de uma determinada técnica de construção ou de uma tipologia arquitetônica refere-se à possibilidade da sua repetição indefinida, usando recursos renováveis ou, quando isso não é possível, recursos esgotáveis em ritmo tal que nos dê tempo para desenvolvermos alternativas tecnológicas. Ora, nesse sentido, não parece que estejamos muito limitados, nem do ponto de vista do minério de ferro, nem do ponto de vista do calcário ou da sílica. Também não parece ser o caso quanto ao uso do espaço, pois parece evidente que, quanto mais alto for o edifício, menor será a quantidade de espaço ocupado na cidade. A área construída de cada Petrona Tower é de mais de 20 ha, o que implicaria ocupar uma área de cerca de 20 ha a 40 ha com edifícios de três ou quatro pavimentos, uma vez que deveriam ser acrescentados os recuos, áreas "non edificandi" e as áreas das vias públicas.

Do ponto de vista energético, é difícil afirmar-se que um edifício muito alto gaste mais energia do que a correspondente área construída, distribuída em uma área urbana muito maior. De fato, os deslocamentos entre edificações distribuídas em uma área muito maior e a iluminação pública das vias têm de ser considerados antes de qualquer afirmação precipitada sobre a ineficiência dos edifícios muito altos.

Todavia, as limitações quanto à segurança são muito grandes, uma vez que a população do edifício corresponde a uma cidade de porte médio, com problemas de segurança muito maiores, mesmo quando se exclua o terrorismo.

Não por acaso, Trump acaba de abandonar o projeto de construir um edifício em Chicago, que deveria superar a altura das Petronas Towers. Um dos investidores no projeto alega que, além de ser um alvo para ataques terroristas, os edifícios muito altos são muito ineficientes, isto é, têm baixa sustentabilidade.

Mas, ao mesmo tempo, os chineses prosseguem com a idéia de construir a mais alta torre do mundo em Shangai. Kiyoshi Yoshikawa, da Mori Building Company, responsável pelo projeto, diz que "está muito claro que nós vamos reforçar a estrutura do edifício. Nós vamos melhorar a sua segurança". Isso tudo acontece numa cidade que, há pouco mais de um ano, inaugurou a Jinmao Tower, com 420,5 metros de altura.

FONTE: http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/100/imprime23779.asp

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